Museu da República recebe peças históricas de religiões afro-brasileiras apreendidas pela polícia

Foto: Divulgação
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O Museu da República do Rio de Janeiro, no Catete, Zona Sul da cidade, recebeu um acervo de religiões de matriz afro-brasileira com 523 peças religiosas retiradas de terreiros de umbanda e candomblé entre 1889 e 1945.

A cerimônia contou com a participação de instituições como o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional (Iphan) e importantes representantes do candomblé e umbanda, como Mãe Meninazinha D’Oxum (Ilê Omolu Oxum), Mãe Palmira de Oyá (Ilê Omon Oyá Legi), Pai Roberto Braga – Tata Luazemi (Abassá Lumyjacarê Junçara), Mam’etu Mabeji representada por Tata Songhele (Kupapa Unsaba – Bate Folha Rio de Janeiro), Mãe Flavia Pinto (Casa do Perdão), Babá Adailton Moreira de Ogum (Ilê Axé Omiojuaro), Babá Mauro de Oxóssi (Ilê Axé Ofá, representando o Axé Iyá Nasso Oká Ilê Oxum).

Para o procurador da República Julio José Araujo Junior, que representou a instituição e acompanha o caso, a entrega do acervo representa um passo importante na reparação em razão do tratamento que foi conferido a esses grupos no passado.

“Não fazia qualquer sentido essas peças serem apreendidas, muito menos ficarem no museu da polícia”, afirmou. Ele ressaltou, ainda, que agora é necessário garantir uma gestão compartilhada do acervo pelas comunidades e a concretização de uma exposição permanente das peças.

Entenda o caso

Após quase três anos de negociações mediadas pelo Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Civil do Rio  assinou em 7 de agosto o termo provisório de transferência ao Museu da República do acervo de mais de 200 peças de religiões de matriz afro-brasileira apreendidas entre os anos de 1889 e 1945, quando o Código Penal Brasileiro legitimava a intolerância religiosa. A transferência das peças é uma conquista do movimento Liberte Nosso Sagrado, que levou ao MPF a notícia de que os itens que integravam a coleção estavam armazenadas de forma inapropriada no Museu da Polícia Civil.

As peças foram apreendidas em terreiros de candomblé e umbanda – em sua maioria durante a Primeira República e a Era Vargas – e guardadas na Repartição Central da Polícia, prédio que abriga hoje a sede da Polícia Civil. Naquela época, o Código Penal de 1890 definia como crime a “prática do espiritismo, da magia e seus sortilégios”.

O inquérito civil público foi instaurado em setembro de 2017, “com a finalidade de promover o acesso aos objetos sagrados, relacionadas às religiões de matriz africana, apreendidas sob a égide do Código Penal de 1890, e tombadas pelo Iphan conforme Processo 35-T-1938; apurar o seu recolhimento e armazenamento de forma inapropriada no Museu da Polícia Civil; bem como promover, em reparação histórica pelas violações de direitos, adequada exposição e produção de conhecimento, em contexto de valorização da cultura de matriz africana”, sob a responsabilidade do procurador regional dos direitos do cidadão Renato Machado. Desde então, o MPF buscou estabelecer o diálogo entre os religiosos, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Polícia Civil e museus interessados em receber o acervo.

Entre uma serie de diligências com pedidos de informações e relatórios, especialmente junto ao Iphan para a avaliação do acervo, foram realizadas três reuniões entre as partes interessadas. Religiosos de matriz africana participaram de todo o processo para que fosse possível ter uma compreensão culturalmente informada sobre o destino que deveria ser dado às peças. A última reunião, em 19 de setembro de 2019, conduzida pelo então procurador regional dos direitos do cidadão Renato Machado, acertou os termos principais da transferência, com a conclusão da vistoria do acervo pelo Iphan e elaboração do diagnóstico de seu estado de conservação, a confirmação do Museu da República como destinatário das peças e o encaminhamento de tratativas sobre o transporte dos itens.

Há, ainda, outras questões a serem concluídas, como um novo nome para a chamada “Coleção Magia Negra”, já que o atual é discriminatório às religiões afro-brasileiras, e a ampliação do tombamento das peças, uma vez que foi constatado que foram incorporados itens ao acervo depois do tombamento. Além disso, o MPF continua acompanhando, por meio do Inquérito Civil em curso, as tratativas para a conclusão e assinatura do Termo de Doação Definitiva do acervo.

Reportagem: Redação Amazônia sem Fronteiras

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