A Boa-Fé e os contratos de compra e venda descumpridos, durante o período da pandemia de Coronavírus

Foto: Divulgação
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Em época de pandemia, o advogado Waldir Gonçalves Barros Junior escreveu sobre o COVID-19 E O DEVER DE LEALDADE NOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA. A aquisição de respiradores e bombas de infusão vem sendo investigado em alguns estados do Brasil.

O Portal Amazônia sem Fronteiras traz na íntegra o texto abordado pelo advogado Waldir Gonçalves Barros:

Tem-se acompanhado, quase que diariamente pelos noticiários, as compras frustradas de respiradores, tão fundamentais e necessários nesse momento, em que praticamente todos os países do globo, enfrentam com muita dificuldade a propagação do letal Coronavírus.

Alguns contratos para compra de respiradores entabulados entre os países Brasil e China, não tem logrado êxito a contento, já que a grande potência Asiática, é detentora da quase totalidade desse maquinário, tão importante para se salvar vidas.

A título de exemplo destaca-se, algumas notícias veiculadas pelos portais de notícias:

“A China bloqueou a chegada de 500 dos 3 mil respiradores adquiridos pelo governo de São Paulo e que seriam destinados a UTIs (Unidades de Terapia Intensiva).” (site do Estadão)

“Os 152 respiradores comprados da China pelo governo do Pará para tratamento de pacientes com Covid-19 apresentaram falhas durante processo de instalação e ainda não puderam ser usados, afirmou o próprio governo estadual.” (site Pará rede liberal)

Em virtude dos respiradores serem os equipamentos mais requisitados pelos países – que ora enfrentam o terror dessa pandemia – houve um grande aumento do preço e a diminuição da oferta, assim, a China tem praticado um verdadeiro “leilão”, de acordo com suas conveniências, nas vendas desses equipamentos, ao cancelar, remanejar mercadorias para outros países em detrimento de contratos já formalizados e pagos ou até mesmo sem primar pela qualidade dos equipamentos vendidos.

Contudo, abstraindo a questão política – que deverá ser enfrentada pelas autoridades em um foro competente – que fatalmente envolvem essas relações comerciais internacionais e nacionais, levanta-se no presente texto, o seguinte questionamento: Nas relações comerciais Internacionais e Nacionais, o dever de lealdade, informação e confiança nos contratos de compra e venda, devem ser observado em momentos de pandemia mundial de Covid-19, assim como o agente ser responsabilizado civilmente em caso de descumprimento de tais condutas?

Pois bem, vale fazer algumas digressões para se fazer o enfrentamento de tão oportuno questionamento.

O dever de lealdade, informação e confiança, decorrente da boa-fé objetiva, naturalmente deve ser observado em todas as suas fases, quais sejam, pré-contratual, contratual e pós contratual.

Em verdade, desde as chamadas “tratativas” ou “negociações preliminares” de um contrato é esperado um comportamento leal dos contratantes, partindo-se da premissa fundamental de que o futuro contrato será do interesse de ambos.

Devem, assim, evitar o uso de informação inverídica, a desistência abrupta das negociações e de compras já efetivamente pagas ou que já se encontravam em um estágio avançado.

Pois, é justamente a quebra desta legítima confiança que um negociante deposita no outro, que dá lugar à chamada responsabilidade civil pré, contratual ou pós contratual.

Por outro lado, o dever de lealdade, confiança e informação, decorrente da boa-fé objetiva, está plasmado tanto na legislação brasileira, quanto nas convenções e tratados que regem as relações comerciais nacionais e internacionais.

Como tal, destaca-se, a Convenção de Viena de 1980 (CISG – United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods), a qual o Brasil aderiu, com a promulgação em 17 de Outubro de 2014 do Decreto Executivo nº 8.327 de 16 de outubro de 2014.

De acordo com dados disponibilizados pela Organização das Nações Unidas, estima-se que mais de dois terços das transações internacionais de mercadorias sejam reguladas pela Convenção de Viena de 1980 (CISG – United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods), incluindo os contratos realizados com parceiros importantes do Brasil, como a China e Estados Unidos.

Véra Jacob De Fradera, assevera que além da autonomia privada, a CISG é calcada no princípio fundamental do comércio, a boa-fé objetiva, que presidirá a formação e a execução dos contratos, seja na função interpretativa, integrativa (com destaque para o apelo aos usos e práticas comerciais internacionais), e pelo controle do comportamento excessivo das partes.

Noutro giro, mas seguindo nessa mesma senda, segue o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.

Pois, além de previsão no CDC em seu artigo 4º, inciso III, encontra-se, hoje a boa-fé objetiva, é também prevista nos artigos 113, 187 e 422 do Código Civil.

O artigo 113 do CC, afirma ser a boa-fé uma regra de interpretação dos negócios jurídicos, colocando-se ao lado da já clássica regra da busca da vontade real das partes (CC, art. 112). Trata-se da chamada “função interpretativa”.

Já o art. 187 apresenta a boa-fé objetiva como um limite para o exercício dos direitos, de tal modo que será considerado abusivo o exercício de um direito que for além dos limites impostos por esta boa-fé. É o que se tem denominado “função limitadora” da boa-fé objetiva.

O último dispositivo a ser considerado (CC, art. 422) é também o mais importante para o tema do Direito dos Contratos, uma vez que é capaz de impor aos contratantes novos deveres contratuais, ainda que estes não tenham sido efetivamente previstos pelos contratantes.

Não obstante se desconhecer em sua integralidade, os termos dos contratos para compra de respiradores entabulados entre o Brasil e a China, resta claro, através das informações que nos chega através dos noticiários especializados, que o dever de lealdade, informação e confiança passou ao largo dessa relação comercial, nem sempre tão benéfica para o nosso país, nesse momento de avassaladora crise sanitária e econômica, que hoje o mundo enfrenta.

Portanto, em sendo a legislação brasileira e internacional farta e sensível, quanto a sanção pela não observância da Boa-Fé Objetiva nas relações comerciais, em tese, a China ou qualquer outro pais, violador da referida norma, pode sim, ser responsabilizado civilmente e receber as sanções cabíveis.

Texto: Waldir Gonçalves Barros Junior – OAB/AM 5535

 

 

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