Uma pesquisa sobre violência política contra mulheres indígenas no Parque das Tribos, em Manaus, ficou em primeiro lugar diante de outros 100 trabalhos apresentados durante o 8º Encontro de Estudo sobre Mulheres da Floresta (Emflor), realizado, semana passada, no Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e considerada uma das principais premiações acadêmicas do país.
A dissertação de mestrado “Aspectos simbólicos da violência política contra mulheres indígenas no Parque das Tribos, em Manaus” ganhou a disputa e é resultado de dois anos de pesquisa da jornalista/mestranda Paula Litaiff e da professora doutora Iraildes Caldas.
A segunda colocação foi sobre o estudo “Migrações e saúde: uma experiência de formação para o trabalho e geração de renda com refugiados venezuelanos em Manaus”, da pesquisadora Vitória Raquel Santos Santana.
A pesquisa que venceu faz uma análise sobre o Parque das Tribos, localizado no bairro Tarumã, que abriga em torno de 900 famílias de 37 povos indígenas, de acordo com dados de lideranças locais. Segundo o Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manaus tem 71.713 indígenas, o que representa 3,48% da população da cidade.
A capital amazonense é a cidade com a maior população indígena do Brasil, seguida por São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, ambas no interior do Amazonas.
Em 2014, a Prefeitura de Manaus concebeu uma medida liminar para iniciar o processo de reconhecimento do Parque das Tribos como bairro, após pressão e resistência de seus habitantes. Porém, a região tem sido palco de uma preocupante série de atos de violência política, principalmente, contra Lutana Kokama, liderança e cacique geral da comunidade.
A dissertação vencedora do Emflor, da jornalista Paula Litaiff, mestranda em Sociedade e Cultura na Amazônia, com coautoria da professora da UFAM, Iraildes Caldas Torres, enfatiza a importância da cacica Lutana Kokama no início da ocupação, bem como agora na linha de frente para garantir serviços essenciais para a comunidade, como o acesso à rede de ensino e saneamento básico. Essas atitudes fazem dela uma importante liderança que promove uma resistência sociopolítica na capital amazonense.
Com embasamento teórico-acadêmico, consultas históricas e entrevistas, a pesquisa identificou uma série de atos de violência política sofridos por Lutana Kokama, há mais de 10 anos, sobretudo no que tange desigualdade e opressão de gênero.
“Nós percebemos [no Parque das Tribos] como a violência simbólica age. Muitas vezes, boicotando o trabalho da Lutana Kokama por serviços básicos.
Se formos à Prefeitura de Manaus, dos dez ofícios que chegam lutando por serviços, oito são feitos por Kokama e as mulheres do Parque. Porém, isso não é reconhecido pelos homens indígenas do Parque das Tribos, o que acaba, de alguma forma, reforçando a dominação masculina indígena que existe por lá”, afirmou Paula Litaiff durante a apresentação do estudo.
A pesquisa analisou iniciativas de resistência. Uma delas aconteceu, em 2022, com a realização de uma eleição democrática dentro do Parque das Tribos, com acompanhamento do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), e Kokama, que é figura aprovada pela maioria das famílias do bairro, saiu vencedora.
Segundo o estudo, essa vitória evidencia a coletividade em prol de melhorias para a própria comunidade, mesmo diante da resistência masculina à posse de mulheres em cargos de liderança.
O documento aponta que a mulher dentro do contexto indígena, para se manter forte, precisa enfrentar a dominação masculina com o senso de coletividade e mantendo a ancestralidade com a legitimação de órgãos de controle.
Do contrário, a mulher, mesmo eleita de forma democrática e popular, não é empossada no cargo de liderança. A pesquisa aponta ainda que é necessário continuar a luta por igualdade de gênero e reconhecimento da liderança feminina nas comunidades indígenas.
“Verificamos que a etnia Kokama já tinha uma ancestralidade muito voltada à liderança feminina. Mas, com o passar dos tempos, quando houve a mudança [de território] do Solimões para Manaus, inicialmente acabou se perdendo, e ela [Lutana] conseguiu resgatar essa característica de ancestralidade da mulher Kokama para retomar o protagonismo”, acrescentou.
Iraildes Caldas Torres, coautora do estudo e orientadora da dissertação, destaca que a violência política apresentada vem de homens étnicos para mulheres étnicas.
“A estratégia maior que essas mulheres [indígenas] têm, contra a violência política que sofrem, são os seus próprios corpos. Esses corpos de violência que elas enfrentam são as suas próprias vidas. É como se o patriarcado invadisse a mente desses homens. Embora essas mulheres não sofram violência física, elas sofrem todas as outras, como simbólica e patrimonial”, disse Torres.
A apresentação da dissertação compôs a programação dos Grupos de Trabalhos (GTs): “Mulheres Indígenas e o Bem-Viver”; “Gênero, Educação e Trabalho”; “Gênero, Meio Ambiente e Ecofeminismo”; “Gênero, Religião de Matriz Africana e Religiosidade Indígena”; “Gênero, Violência e Feminicídio”; “Gênero, Corpo e Violência LGBTQUIA+”; “Gênero, Movimentos Sociais e Políticas Públicas”; e “Vozes da Floresta: Gênero, Resistência e Expressões Poéticas”.
A apresentação desses trabalhos científicos durante o Emflor amplia a discussão de soluções ambientais na Amazônia, abordando sua extensa rede de terras, florestas e águas. O objetivo é sensibilizar a sociedade e as autoridades públicas para a necessidade urgente de proteção e preservação da Amazônia, guiados por ações ecofeministas regionais.
Outros destaques do Emflor foram as caravanas de cidades do interior do Amazonas e uma do Recife, sob coordenação da professora Andrea Andrade, da Universidade Católica de Pernambuco.
Mais sobre o Emflor
O Encontro de Estudo sobre Mulheres da Floresta (Emflor) foi promovido pela UFAM e o Grupo de Estudo, Pesquisa e Observatório Social: Gênero, Política e Poder (Gepos), que é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) e ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA), ambos da Universidade Federal do Amazonas.
Além disso, recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e congrega conferencistas, palestrantes e coordenadores de Grupos de Trabalhos (GTs) ligados a entidade públicas ou privadas, localizadas em Manaus, Parintins e Tefé, e nos estados de Roraima e Maranhão. Para saber mais, acesse: emflor.gepos.com.br.
Fonte : UP Comunicação
Foto: Divulgação