Os novos docentes atuarão na Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ao todo, 14 comunidades serão beneficiadas.
“É um privilégio atuar como professora, porque foram muitas lutas de movimentos e também de moradores do nosso território. Alguns anos atrás era quase impossível termos uma conquista significativa como esta.” A fala de Raimunda Melo reforça a importância de ampliar oportunidades de desenvolvimento em comunidades tradicionais da Amazônia.
Recém-formada em Licenciatura em Pedagogia do Campo pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), ela e outros 26 profissionais acabam de ser integrados ao quadro de docentes da Prefeitura Municipal de Carauari, a 778 quilômetros de Manaus. Agora, eles têm a oportunidade de levar educação às regiões onde nasceram.
A contratação é resultado de uma articulação entre a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e a Prefeitura de Carauari. O processo teve início em dezembro, logo após a defesa dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). A gestão municipal mapeou o interesse dos formandos em atuar em suas comunidades e, em seguida, lançou um processo seletivo, finalizando com a contratação dos novos docentes.
A iniciativa contou ainda com o apoio do Fórum do Território Médio Juruá, da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), da Associação dos Moradores Agroextrativistas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari (Amaru), do Instituto Juruá (IJ), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), da Associação de Moradores Extrativistas da Comunidade São Raimundo (AMECSARA) e da Associação das Famílias da Casa Familiar Rural de Carauari (ACFRC).
“Ver professores ribeirinhos que se formaram e agora retornam às suas comunidades para ensinar é a materialização da transformação social. Essa conquista reforça o papel fundamental das políticas públicas que valorizam os saberes locais e ampliam o acesso à educação de qualidade na floresta. Na FAS, acreditamos que fortalecer os territórios amazônicos passa necessariamente por investir nas pessoas que vivem neles — e nada representa melhor esse compromisso do que vê-los se tornando protagonistas da transformação em suas próprias realidades”, afirma Valcléia Lima, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na FAS.
Os professores vão atuar em turmas da Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II, além do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ao todo, 14 comunidades serão beneficiadas: Gumo do Facão, Novo Horizonte, Pupuaí, Nova Esperança, Roque, Imperatriz, Bom Jesus, Bauana, Maria Monteiro, Novo Idó, Vila Ramalho, Santo Antônio do Brito, Tabuleiro e Toari. Todos os territórios estão localizados entre a Reserva Extrativista (RESEX) do Médio Juruá e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari.
Segundo o reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, formar-se no interior da Amazônia exige determinação, resiliência e, sobretudo, um profundo vínculo com a realidade das comunidades. “Esses novos professores não apenas dominam o conhecimento pedagógico, mas carregam consigo a vivência e o pertencimento aos locais onde agora irão atuar. Isso faz toda a diferença no processo de ensino e aprendizagem. Para a UEA, esse momento reafirma a importância de investir em cursos voltados para as realidades do campo. A universidade deve estar onde as pessoas mais precisam dela”, disse.
Oportunidade para transformar realidades
Docente da comunidade Vila Ramalho, Raimunda acredita que a formação e a chance de ensinar representam conquistas históricas.
“É um privilégio atuar como professora, porque foram muitas lutas de movimentos e também de moradores do nosso território. Alguns anos atrás era quase impossível termos uma conquista significativa como esta. Eu acho que a Pedagogia do Campo precisa começar a ganhar voz a partir da troca de conhecimentos entre educador e educando, bem como os conhecimentos que estes sujeitos têm e que podem contribuir na construção de um novo modelo educacional. Uma educação que valorize estes saberes e a identidade dos povos tradicionais”, declara.
A Pedagogia do Campo é uma abordagem que valoriza a cultura local, integra o cotidiano dos estudantes às práticas pedagógicas e promove uma aprendizagem contextualizada, baseada na sustentabilidade e na formação comunitária.
“Esses aspectos ajudam a superar os desafios da educação na floresta, como o acesso limitado a recursos educacionais e a necessidade de integrar conhecimentos tradicionais com as práticas pedagógicas contemporâneas. Ao fazer isso, não apenas ensina conteúdos acadêmicos, mas também forma cidadãos conscientes e comprometidos com sua realidade”, explica Antônio Francisco, que leciona na comunidade Santo Antônio do Brito.
Para ele, a educação de qualidade tem um poder transformador. Quando acionada, ela contribui para o autoconhecimento dos estudantes, incentiva o respeito à diversidade cultural e histórica e combate a desigualdade social.
Em sala de aula, Antônio reforça o desejo de ser um exemplo de superação para os alunos. “[Vou] compartilhar histórias de desafios enfrentados e superados. Isso mostra que é possível vencer as dificuldades, motiva os jovens a persistirem em seus próprios caminhos, mesmo diante de obstáculos”, promete.
Itamar Carmo, docente na comunidade Novo Idó, está confiante em desenvolver um trabalho de excelência. “O nosso contexto é uma educação de e no campo das águas e das florestas. Não temos estradas e vias aéreas, mas sim água. Há desafios, mas a formação nos preparou para isso”, diz.
Desde criança, Carmo enfrentou muitas adversidades. Órfão de mãe e sem a presença do pai, encontrou apoio nos irmãos e em movimentos sociais da região, que o incentivaram a investir na educação como forma de mudar sua história.
“Como educador, desejo mudar essa visão que o jovem ribeirinho tem de que lá na cidade é que estão as coisas boas. Até minha própria história de vida é uma inspiração. Pretendo mostrar que no território também tem riquezas, e não [apenas] lá na cidade. E mesmo que eles saiam, que tenham o intuito de voltar e ajudar a sua comunidade”, finaliza.
Formação
Para o subsecretário municipal de Educação de Carauari, Gilmar Girão Leite, a ação representa muito mais do que o preenchimento de vagas.
“Hoje, nós estamos com professores ribeirinhos atuando em escolas onde foram alfabetizados. O que nós esperamos é o pertencimento ao local, de quem sabe do que a população precisa. Eles terão a capacidade de olhar para o entorno da escola, para a comunidade, para as atividades econômicas, e transformar aquele conhecimento empírico em conhecimento científico em sala de aula. É trazer as atividades econômicas ligadas ao manejo do pescado, à extração de látex, coleta de frutas e oleaginosas… Ou seja, qualquer atividade econômica, cultural e social vai ser tema. […]. É um ensino muito mais contextualizado, que dialoga com as práticas dos sujeitos”, acrescenta.
As aulas da Licenciatura em Pedagogia do Campo ocorreram entre 2019 e 2024, em períodos modulares, no Núcleo de Inovação e Educação para o Desenvolvimento Sustentável Pe. João Derickx (NIEDS), da FAS. O local possui infraestrutura completa, com salas de aula, auditório, laboratório de informática, cozinha, refeitório, alojamentos feminino e masculino e posto de saúde. Além disso, a prefeitura ofereceu suporte logístico com transporte dos alunos e alimentação, durante todo período do curso, um investimento coletivo na educação do Médio Juruá.
Sobre a FAS
A Fundação Amazônia Sustentável (FAS) é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que atua pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sua missão é contribuir para a conservação do bioma, a melhoria da qualidade de vida das populações amazônicas e a valorização da floresta em pé e de sua biodiversidade. Com 17 anos de atuação, a instituição apresenta resultados expressivos, como o aumento de 202% na renda média de milhares de famílias beneficiadas e a redução de 39% no desmatamento nas áreas atendidas.